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Expectativa - uma pintura rupestre

terça-feira, 11 de abril de 2006

Expectativa - Vou fazer um post bem rupestre, igualando-me a um ser humano ainda vivendo em cavernas de obscuridade. Se bem que não estou longe disto. Nunca estudei tal assunto. Não vou tomar nada como modelo, paradigma, nenhum dogma. Deixarei que a intuição e a ignorância me guiem e façam com que eu me perca ou até me ache ou ainda que me revelem as antigas pedras e pegadas que ficaram pra trás, fossilizadas no esquecimento. Serei animalesco até. Portanto, que não se esperem qualidade, referência, profundidade ou qualquer sentido. Desprezarei toda experiência, cultura e conhecimentos acumuladas pela civilização. Puxarei do fundo minha tribalidade, meus instintos mais primitivos. Já pode ouvir os sons sem sentido? A tentativa de se expressar?? Helen Keller, o maior prodígio da pedagogia mundial, não via, não falava, não escutava, só lhe restou o tato para interiorizar e exteriorizar os mundos, as pessoas, o intangível, o físico. E se tornou uma brilhante poeta, com a condução paciente e determinada de Anne Sullivan. Sua luta era pelo fazer sentido. Arredia, grossa, sua sensibilidade implodia e explodia no movimento, na raiva. Nenhuma de suas expectativas de reconhecimento de si mesma e do mundo eram possíveis de ser atendidas. Voltarei ao meu Helen Keller.
Expectativa - o que esperamos de um amigo, de uma mãe, de uma escola, de um desconhecido por ouvir falar, por vê-lo desempenhando ou de longe ou de perto alguma atividade, como um ator, um cantor, um ativista cultural, um(a) modelo, um político, Capitão América, Saci, Mulher Biônica, etc. Quer estes seres existam ou não ou estejam idealizados no imaginário, como um ponto de referência.
Expectativa - a responsabilidade de ser e dar - quando lançamos nossas sementes ao mundo, as pessoas podem experimentar de nossos frutos, sombra e perfume, e, a partir daí, uma imagem de nosso eu é introjetada nos seus corações. Se experimentam um período de touro bravio em nossa vida, isso as afastará de nós, com medo das chifradas. Ficaremos ambos como que numa arena, digladiando, numa relação marcada por temores e pela espera da violência. Do veneno. Da guerra. Ficamos defensivos e atacamos ao menor sinal de grosseria. Se outras pessoas, em outro instante de nossa vida, experimentam nosso lado pombo, calmo, pacífico, fiel, procurarão nossa presença, ansiarão por estarmos juntos, por ficar do nosso lado, com a cabeça encostada em nossos ombros, esperando amizade, cordialidade, pureza...segurança de tocar e ser tocado, sem manchas de maldade e confusão. Mas, como conciliar estes nossos períodos com a expectativas das pessoas? Refiro-me à condição de alterabilidade do humor. Não sou juiz de ninguém para afirmar que, em geral, as pessoas sofrem tais alterações, contudo, o coração é sujeito a esta flexibilidade, sem, no entanto, implicar em uma qualidade má intrínseca, própria. Há momentos em que fraquejamos, em que nos distraímos, em que somos influenciados por fatores diversos e podemos agir de um modo que não satisfaça às expectativas das pessoas.
Expectativa - quando falho - ao menor sinal de que não correspondi a uma expectativa positiva por tudo o que plantei e fiz, gero uma decepção. O problema, certamente, é a falta de consciência de que todos erramos e enfrentamos períodos contraditórios, por cansaço, distração, falta de auto-controle. Não é fácil usar régua, compasso, caderno todo instante. Tem horas que a bagagem pesa, por causa da responsabilidade de não falhar, principalmente, quando se trata de expectativa pública. Imagine um comediante em um triste momento de sua vida com a obrigação de fazer uma platéia inteira rir. Seu lado artista pode e até espera-se que heroicamente deva falar mais alto. A platéia inteira ri, seu show é antológico, mas por dentro sua boca, seus olhos, sua alma estão rasgados de tristeza e seus estilhaços se espalham em vários funerais.
Expectativa - o dilema do ator - em alguns momentos não sou mais eu quem vive e fala, mas o eu esperado. Tenho que abrir mão de mim mesmo para não magoar. Estou, deste modo, crucificado. Na tela, sou o herói. Para a platéia, sou o herói que personifica outro herói. Para mim, existe a falta de um herói. Estou carente do que também esperam de mim mesmo.
Expectativa - consciência até que ponto? - sei o que esperam. E, principalmente, o que, de modo algum, esperariam.
Expectativa - surpresa! - sei o que esperam. Em algum momento, surpresa. Nem tudo está sob nosso controle. Quase nada está! Os interpretantes não são todos iguais, há os que querem te abraçar mesmo, e há os que não suportam o fato de que você tenha braços e mesmo que receba abraços. Há os que te odeiam e te beijam e há os que te amam e parecem te sufocar com tantas cobranças. Podemos nos enganar, podemos nos decepcionar várias vezes. Procurando mesmo fazer o melhor, recebemos desprezo, erramos feiamente. Querendo ajudar, algumas vezes podemos até atrapalhar. Quando dizemos não, alguns pensam que é sim. Quando dizemos "acho que" alguns nos vêem como o pai de uma nova ciência.
Expectativa - o Deus - queremos o milagre já, esperamos, esperamos, Ele, o Deus, não corresponde mais ao nosso lado que quer receber: "bom é o que dá!" Começam as dúvidas. Elas se multiplicam, viram raiz de amargura. Deus, o eterno, parece morrer. Novamente, o crucificamos, por conta de nosso egoismo.
Cada pessoa pensa de um jeito. O problema é nossa forma de esperar, de alimentar a esperança.
Expectativa - o reconhecimento - ainda estou neste capítulo de minha vida.
Na verdade, todos os capítulos estão em constante renovação. Não sou um livro imutável.
Por favor, perdoem-me se em nada correspondi às suas expectativas.
 

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