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Páginas rasgadas

sábado, 21 de outubro de 2006

Houve um dia em que deixei de ir a um enterro de alguém a quem nunca mais veria e eu sempre saberei o quanto ela era especial pra mim. Houve um dia em que resolvi me vingar de um amigo querido por algum erro; em outro um dia gritei minha mãe, gritei meu pai, censurei os meus avós no meu coração, no meu pensamento. Houve um instante em que cogitei minha própria morte, mesmo tendo certeza QUE ESTA NÃO ERA MINHA VONTADE. Também escondi meus erros por capricho e orgulho, no mesmo instante em que falava sobre coragem e sinceridade. Achando-me hipócrita, em algum outro dia resolvi ser eu mesmo totalmente e em nenhum instante consegui me ver ou me notar. Talvez, nem eu mesmo soubesse como ser eu mesmo ou o que eu estava me propondo ser. Já dei muitas desculpas. E em algumas delas muito de invenção e mentira. Houve um dia em que não atendi ao convite de um casamento, e o próprio noivo veio atrás da minha presença. Contudo nem isto me motivou, e ele certamente se entristeceu. Ficou a mancha de não ter compartilhado com ele um momento tão único e importante. Recordo ainda que não aproveitei quando pude abraçar algumas pessoas quando vieram se alegrar comigo, vieram me cumprimentar ou parabenizar por uma vitória. Sei que também fui egoísta quando não correspondi alguns sorrisos. Minha cara ficou um tijolo seco e sombrio. Houve um dia em que o sol brilhou e eu não dei a ele o valor de uma vela. Preferi a escuridão. Dias em que me senti mísero... E não foi há muito tempo, foi há pouco, mesmo quando decidi que não rasgaria mais página alguma da minha vida. E passei as mãos sobre o rosto, não olhei pra cima, não procurei reagir, quando o único impedimento era minha própria vontade. Existiu sempre a possibilidade de escolher. A escolha não vem dela mesmo, vem de dentro de cada um. Houve um dia em que lamentei não ter corrido ao lado dos meus amigos que me chamaram pra correr um caminho, percorrer uma trilha. Dias em que a música retumbava altissonantemente e eu não quis dançar. Dias em que a paixão olhou pra mim, me cercou e eu não me deixei aquecer. Há tantas páginas rasgadas. Momentos que poderiam ter sido inesquecíveis, momentos que continuam desconhecidos, por medo, timidez, costume até. Rasgadas as páginas, foi rasgado também meu livro. O livro da minha existência. Eu poderia ter ficado calado e ter permanecido ao lado de vários amigos até o dia de hoje. Eu poderia ter compreendido o cansaço e a debilidade dos meus avós. Compreendido o zelo do meu pai, a expectativa, a esperança da minha mãe. Eu poderia ter acreditado em Deus, no milagre, no amor. Eu poderia ter visto tantas vezes o nascer e o pôr do sol e ser queimado pelo seu calor. Eu poderia ter dado a mim tantas chances de escrever nas páginas do livro, de colocar imagens novas, de colocar meus sentimentos, experimentar-me, experimentar o viver, o sim, o não, a glória, o fracasso, o desconhecido, o temido, o conhecido. Assim, tendo as páginas rasgadas, nem posso dizer que me conheço. Nem posso dizer que existo. E são essas páginas que me cobram o empenho dos meus dedos e do meu coração em escrevê-las, porque são a seiva que alimentariam minhas raízes. Por isto sinto que estou definhando.

Eu tenho que ir atrás destas páginas, ir atrás das letras que apaguei, das palavras que de propósito esqueci e omiti. Ir atrás das personagens que minha brutalidade afligiu. Ir atrás das lições que estão pra ser aprendidas. Cuidar melhor do meu livro, de cada página, reconhecendo o que as mancha e corrompe.

Na capa, meu rosto. Páginas escritas, páginas vividas! Páginas que enfrentei, cultivei, pensei, chorei, lamentei, alegraram e trouxeram surpresas.

Conselho final: não rasgue as páginas de sua vida, não deixe de viver o que a vida pode lhe proporcionar e se já não tem lhe exigido. Tenha coragem e se conheça de verdade. Conheça o que é viver, o que é atravessar os montes, suportar os desertos, o que é crer e ter esperança.

 

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