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O indesejável - primeiras linhas

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O momento. Confesso que vem tanta coisa à minha cabeça que poderia escrever um livro.
Se escrever, não há nada novo debaixo do céu, que justifique um tamanho entusiasmo. Mesmo no trabalho ou nos antigos tempos de universidade quando falava sobre isso, nessa possibilidade de escrever livros, alguns encaravam como presunção ou arrogância: "quem ele pensa que é pra querer escrever um livro? O que ele acha que sabe? Ou quem vai pagar para lê-lo?" .
Eu acredito no poder da leitura, na minha possível potencialidade e sensibilidade, pelas quais devo agradecer muito a Deus e rogar-Lhe que me ajude a desenvolvê-las sobriamente. Escrevo mais para mim mesmo do que para outros fora de mim. A opinião, o contato com o outro sempre será essencial e motivante. Se tenho esta expectativa, sim. Contudo, o que mais me atrai no processo de expor, descrever o universo ou vaso sanitário que está dentro de mim, nas minhas visões, nas minhas percepções, no meu viver-fantasiar o mundo, é o convite a um processo de múltiplas descobertas. Posso descobrir o que realmente estou lendo no mundo, em mim e nas pessoas.
Posso testar meus limites, pois posso pensar em correr milhas e definhar sem fôlego nos primeiros metros. Ou começando cansado, entediado, sem palavras, mais agarrado a um silêncio de ignorância e cautela, ir muito mais longe do que pudesse supor. Conquistar uma compreensão mais sincera, por menor e limitada que seja, do que penso ter alguma noção.
Vagar por desertos, onde a palavra se perde, e os ventos uivam coisas ininteligíveis. Cansar-me nas areias quentes. Ainda vivo, de alguma forma vivo, adentrar em uma noite fria atrás do sentido que tanto me fascina, perturba, inquieta. Uma voz desconhecida que não cala. De onde vem esta voz? É difícil encontrar uma voz que vem de todas as direções, em um deserto onde todos os limites parecem iguais. Iguais mesmo!
Descobrir que posso ouvir melhor o meu interior também, ser mais exigente com minha capacidade de entender o que preciso dizer. Ou que nunca ouvi esta voz. Ou ainda que esta voz já nem saiba mais falar direito, ou não aprendeu a falar, queira apenas cantar, conversar.
Em momentos de confusão e conflito, teria eu , justo eu que ser o mais indicado a me aconselhar, me entender, procurar dialogar comigo mesmo?
Talvez, eu invente um novo alfabeto. Talvez, possa ajudar meu analfabeto. Talvez eu faça até algum milagre e descubra que, afinal, não precisava tanto assim da intervenção divina, precisava unicamente utilizar as habilidades e capacidades que o próprio Deus me deu, por meio das quais estou apto a alcançar objetivos aparentemente complexos e difíceis.
Entender exige sacrifício, atenção, luta, disposição, tempo. Ah! Eu queria correr na praia. Mas quando se está perdido... São postos à mesa os conflitos resultantes da luta pelo entendimento. Poderia doer reconhecer que há mais ignorância do que qualquer conhecimento válido. Só que não dói desconhecer quando existe disposição, coragem e determinação para lutar e conquistar alguma forma de contato com o conhecimento.
O que poderia consolar aceitar o convite para uma caminhada desgastante, que em tantos passos dolorosos comprova estar cheia de solidão? E se ver em instantes em que por mais frágeis que possamos estar é imprescindível que ninguém nos dê a mão?
Faz parte do ser livre tomar decisões. Em tantos instantes são apresentadas milhares de alternativas para nossa escolha e nenhuma delas nos faria feliz por completo. E outras, estas, sim, são ímpares e enriquecem a alma, quando a mais dolorosa alternativa sabemos que é a melhor, que é a que coroará toda nossa capacidade de amar o outro, ainda que ele não acredite. É necessário chegar a um ponto de equilíbrio em que podemos entender sua incompreensão.
Outro tipo de descoberta está ligada à radical transformação da nossa participação na leitura, quando deixamos a posição confortável de leitor admirador de bons escritos ou de escritores com os quais nos identificamos ou aceitamos nos dar como seres que concordam, gostam, precisam de seu pensamento, mas desconhecemos os passos, as angústias, a historicidade, as renhidas lutas pelo sentido palavra por palavra que conduziram toda a gestação do texto. As frases apagadas, os caminhos abandonados e outros retomados de antigos diálogos. E entramos agora em um processo de conquista. É possível trazer à tona todo sofrimento novamente, com seus movimentos de silêncios e gritos, perder o receio da incapacidade, começar a se descortinar enquanto ser que pode emitir idéias suas, por menores, mínimas, calejadas, sujas de erros gramaticais, de erros da própria natureza interior, ignorância, imaturidade, despreparo mesmo. Porém, eles estão visíveis. Nossa opinião está visível, está mensurável em seus pontos falhos. Como crianças aprendendo a soletrar, iniciamos um processo de conquista e enxergamos que é possível pintar com palavras o que antes nem nome tinha.
Tem tanta coisa na alma, na nossa alma, que só o seu possuidor pode falar.
 

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