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Idas sem voltas (poesia, txt)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"The Mandolin", Pintura de Berthe Morisot

Idas sem voltas


Ainda vais atrás das miragens?
Quando a luz já mostra que não?
Não dá mais pra ver imagens
Pra teu andar não há mais chão

Ainda vais ouvir as notas
De uma música que em vão
Repete idas sem voltas
De um iludido coração?

Jackson Angelo
(fiz em forma de canção)

Dercy Gonçalves - alguns ensinamentos úteis

Assisti há uns meses atrás, não sei se precisamente pela TV Senado ou pela TV Cultura, uma entrevista com Dercy Gonçalves, em que ela falou de sua carreira, suas experiências na família, no teatro, na televisão. Afinal, foram mais de um século de uma vida realmente longa e só ela bem pode saber e falar dos caminhos que trilhou, enquanto jovem, enquanto artista, enquanto ícone cultural, enquanto uma anciã, enquanto ser normal que precisava ainda caminhar, comer, conversar, tomar remédios, reconhecer suas limitações.
Estranho alguém que se pretende evangélico falar sobre Dercy, mas quero lembrar o ser humano que se revelou nesta entrevista. Primeiramente, preciso fazer umas rápidas considerações, sem esperar que alguém tenha curiosidade de ler e pra isso eu seja rápido e conciso, sem esperar respostas, nada disso. Tudo pelo prazer de descobrir escrevendo o que já está dentro de mim escrito de algum modo.
Dercy tinha uma bagagem muito significativa de quem pôde conhecer o mundo artístico de perto, o mundo dos sonhos e seus contrastes múltiplos e impactantes com a realidade. Aliás, impacto parece ser a palavra-chave no humor pelo que Dercy procurava expressar seus aperreios e parecia representar o humor caseiro, de dentro de casa, do palavreado popular sem nenhum pudor, que muitos podem até nunca confessar que disseram ou sussurraram em seus pensamentos. Não consigo esconder minha impressão pessoal e imprecisa que os palavrões ditos sem cessar por Dercy pareciam ser "culturalmente" permitidos apenas pra ela. Em seus lábios tais expressões pareciam ganhar outra conotação. Há também o impacto de ser uma senhora de idade bem avançada, pois é comum se enxergar e compreender pessoas da terceira idade como pessoas muito frágeis, mas costuma-se confundir essa fragilidade com inutilidade e enfado; e por se reaproximarem da fragilidade primeiramente perdida na infância, agora necessitam de amparo, proteção, paciência, etc; e que são, por outro lado, pessoas de quem se pode esperar mais juízo, com mais exemplos, mais comedimento e menos atrevimento... Dercy absolutamente não se encaixava nisto, parecia uma eterna enamorada pela brincadeira, pela quebra de paradigmas e padrões congelados de comportamento, e sempre transmitia, do seu modo, uma rebeldia alegre e desobediência aos ditames sociais. Neste aspecto, parecia representar aquele ser que não queria se dobrar a ninguém, não estar algemado, ser "meu-eu" mesmo todo instante, mesmo sabendo o que vai dar. São só impressões. Pessoalmente, se não existisse inferno, em muitas coisas eu não obedeceria aos mandamentos divinos. Dentro do que conheço como carne e existir, procuraria todo instante estar imerso no que seria mais agradável pra mim mesmo, desde que em nada eu prejudicasse outra pessoa, fato que para muitos é sua religião pessoal. Contudo, tenho certeza inegociável que este inferno existe. Neste caso, é uma certeza. Sei que posso estar sujeito a julgamentos, pauladas, censores, (des)ascensores e censuras sociais e tudo o que é normal para o ser humano; ainda conto com o que conheço do baixo poder de leitura do brasileiro, no qual também me insiro, mas com um pouco mais de sorte.
O que propriamente me chamou muita atenção nessa entrevista dada por Dercy foi a sua atitude diante da vida. Agora quem estava ali era ela, a Dercy, falando de si mesma. Primeiro, chamou de tudo o que ela tinha em termos de jóias e penduricalhos de MOLAMBO: "Tá vendo isso aqui? É tudo molambo! Tem aqui pra dar, vender... pra mim é tudo molambo!". Nos seus mais de cem anos, pra ela tudo aquilo, talvez batalhado e buscado intensamente em sua vida, não passavam de coisas sem valor, com as quais se pode viver tranqüilamente.
Dercy afirmou ser alguém "que não se vende nem se dá" no sentido de se valorizar! Ela não estava à venda! Não ia se vender no sentido de negar as coisas em que acreditava e defendia. Pode-se entender uma relação de sinceridade entre ela e ela mesmo, de saber quem era ela, o que ela tinha como verdadeiro e falso. Reconhecia suas limitações: a hora certa de dormir, a hora de tomar medicação, a hora de se alimentar e vigiar o que ela estava comendo.
O que era divertido pra Dercy? O que lhe dava gosto de viver? Dercy insistiu na idéia de que temos muitas vezes tudo o que é necessário: "Eu movimento meus pés, eu falo, eu ando, eu vejo, eu como... o que que eu quero mais?... Até um acidente de carro me distrai. Eu saio de casa, vou lá perguntar: como foi o acidente? quem morreu? Tudo isso distrai minha cabeça!". Foi mais ou menos isso o que ela respondeu.
Nestes aspectos, eu bato palmas pra Dercy. Ser verdadeiro é o melhor show que existe!
É inevitável vir à cabeça a imagem de jovens e até crianças que desprezam tudo isto, já se sentem sepultados; alguns com motivações e experiências muito fortes pra detestar ou desprezar o viver e sua própria pessoa. Esse fato só aponta a necessidade de que algo urgente precisa ser feito para socorrê-las.
 

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